Física 4 – PUC RJ – 2019.1 – P3 – Questão 1
Um próton e um anti-próton (anti-partícula do próton, com mesma massa, porém carga elétrica negativa) colidem frontalmente no eixo e se aniquilam (desaparecem) produzindo após a colisão dois fótons (1 e 2), que também saem no eixo (ver figura). No referencial de centro de massa (CM) o módulo do momento do próton (e, portanto, também aquele do anti-próton) é .
a) Qual é a energia total do próton, no referencial do CM? Qual é o módulo de sua velocidade, como fração de ?
b) No CM, os fótons saem em sentidos opostos e com mesma frequência. Qual é essa frequência? Por que, necessariamente, os fótons saem com a mesma frequência?
c) Seja agora o referencial do laboratório, definido como aquele em que o próton se encontra em repouso antes da colisão. Qual fóton tem maior frequência nesse referencial? Qual é a razão entre as frequências do fóton 1 e do fóton 2?
Dica: no laboratório, o referencial de CM se move para frente com a velocidade encontrada em (a).
Passo 1
Eai galerinha, bora resolver mais uma questão sobre relatividade?
Nesse problema vamos discutir sobre uma colisão relativística! Você deve ter aprendido em física 1 que numa colisão entre dois corpos, o momento linear clássico é conservado. Porém você também viu que quando a velocidade dos corpos é muito grande (próxima à velocidade da luz ), o momento passa a ser escrito como
Numa colisão relativística como a do problema, essa grandeza também é conservada! Vamos usar isso para resolver o problema!
Nos primeiros itens vamos analisar tudo no referencial do centro de massa (CM), apresentado na primeira figura. Antes da colisão, temos
O enunciado disse que o módulo do momento das duas partículas é o mesmo, mas ele não precisava ter fornecido isso pra gente: sempre que olhamos no referencial do centro de massa e as partículas têm a mesma massa, o módulo do momento (e da velocidade) de cada uma delas deve ser igual, para que o centro de massa fique em repouso (já que estamos no referencial dele)!
Lembre-se também que .
Passo 2
No item (a) queremos achar a energia total do próton (e de quebra a do anti-próton) no referencial do CM. Para isso, usamos a expressão geral da relação energia-momento da relatividade restrita:
Sabemos que para o próton, a massa de repouso é
Relaxa que você não precisa decorar isso, esses dados são fornecidos na prova! Como , temos que
Aí é só jogar na fórmula:
Portanto, a energia do próton (e do anti-próton) antes da colisão é .
Passo 3
No item (a) ele também pergunta qual é a velocidade do próton. Para achar isso, usamos que
Para facilitar um pouco as contas, vou dividir por dos dois lados da equação:
Vou chamar , de modo que podemos escrever
Agora elevamos ambos os lados ao quadrado:
Logo, isolando :
Logo,
Vamos olhar para o termo elevado ao quadrado dentro da raiz:
Vimos no passo 2 que
Logo,
Portanto,
Vemos que a velocidade do próton no referencial do CM é da velocidade da luz!
Passo 4
Agora vamos para o item (b)! Após a colisão, as partículas se aniquilam e aparecem dois fótons em sentidos contrários. Mas por que aparecem os fótons?
No processo de aniquilação, a energia deve ser conservada. Desta forma, com as partículas desaparecendo os fótons precisam aparecer com a mesma energia que as partículas tinham para que ela seja conservada! Legal, isso explica o porquê aparece um fóton. Mas por que são dois em sentidos contrários?
A resposta é simples: além de conservar a energia, deve ser conservado o momento! Note que antes da colisão, o momento era nulo pois duas partículas se moviam em sentidos opostos:
Assim, depois da colisão o momento total também deve ser nulo. Se houvesse apenas um fóton, ele carregaria um momento em uma direção e o momento não seria nulo. Por isso devemos ter um segundo fóton que se move no sentido oposto com o mesmo momento!
Fótons de mesmo momento carregam a mesma energia, de modo que a frequência de cada um dos fótons deve ser a mesma, o que responde parte da pergunta do item (b)!
Para calcular essa frequência, lembramos que para os fótons
onde é a constante de Planck. Como a energia deve ser conservada:
Como e , temos que
Usando , temos que
Com isso, os fótons teriam frequências altíssimas, o que faz sentido pois as velocidades das partículas antes da colisão eram muito elevadas...
Passo 5
Para terminar o problema, vamos resolver o item (c)!
O enunciado pede para acharmos as frequências dos fótons no referencial do laboratório, mostrado na segunda figura. Para resolver isso, vamos usar a dica dada no enunciado: no referencial do laboratório, o referencial do CM se move para frente com velocidade (que foi encontrada no item (a)).
Uma das formas de resolver o problema é usar o efeito Doppler relativístico. Todavia, quero fazer de um jeito diferente usando as transformações de Lorentz! Se você não quiser ver essa dedução toda, vá direto para o final do passo 6 em que eu chego nas expressões do efeito Doppler!
Assim como tempo e a posição se transformam por meio de uma TL, qualquer 4-vetor se transforma da mesma forma. Com isso, podemos considerar o 4-momento, definido por
Sabemos que as transformações de Lorentz em uma dimensão são dadas por
Podemos fazer a mesma transformação trocando por e por :
Além disso, vamos chamar o referencial do CM de e o referencial do laboratório de . Se o CM (referencial ) se move com velocidade com relação a , então se move com velocidade com relação a . Com isso, as transformações são escritas com sinal de , pois a velocidade de com relação a é negativa:
Vamos usar principalmente a segunda equação para resolver o problema!
PS: se você nunca viu esse tipo de conta, pense assim: assim como a posição e o tempo se relacionam por uma transformação de Lorentz, a energia e o momento também se relacionam! Esse é o grande trunfo da relatividade: generalizar as transformações de Lorentz para qualquer 4-vetor.
Passo 6
Vamos olhar para o fóton 1, que se move para direita em (referencial do CM). Isso significa que é positivo. Além disso, sabemos que para um fóton vale
Logo,
Mais que isso, podemos escrever
Logo,
Para o fóton 2, temos que o momento é negativo no referencial pois ele se move para a esquerda no referencial do CM. Com isso, achamos
Repare que o é o mesmo pois em as energias (e frequências) dos fótons são iguais. Logo, usando a transformação:
Fazendo todas as contas, a única diferença serão os sinais invertidos:
Como , temos que
Note que essas são exatamente as expressões do efeito Doppler! Eu particularmente tenho bastante dificuldade em saber quais sinais usar no efeito Doppler, acho isso bem confuso. Por isso prefiro fazer a dedução usando 4-vetores porque eu chego diretamente na expressão de cada caso.
Passo 7
Olhando para as expressões, é fácil perceber que , pois para o numerador é maior e o denominador é menor. Isso significa que no referencial do laboratório o fóton 1 terá maior energia (e frequência).
Já para achar a razão das frequências, fazemos
Aí é só substituir :
Isso significa que no referencial do laboratório, a frequência do fóton 1 é 76 vezes maior que a frequência do fóton 2, enquanto no referencial do CM elas são iguais. São as coisas doidas da relatividade 😉!