Unicamp, Cálculo 3, 2019.2, P2, Questão 4.
Mostre como se chega à solução do seguinte problema de valor de contorno usando o método de separação de variáveis i.e. assumindo e justificando detalhadamente TODA a análise:
Passo 1
Então pessoal, essa é uma questão clássica de aplicação do método de separação de variáveis.
A solução é um pouco longa, mas vamos juntos entender isso passo a passo. Ele pediu só pra “mostrar” como se chega à solução. Mas vamos resolver quase totalmente para evitar dúvidas.
A primeira coisa a fazer é usar a informação que o próprio enunciado deu, ou seja, usar uma solução com essa forma geral aqui:
E logo substituir na equação:
Isso é a mesma coisa que:
Então:
Ok. Agora pense o seguinte. Quando a gente deriva em relação a , aquele fator funciona como uma constante, então a gente pode colocar ele “para fora” da derivada:
E a mesma coisa acontece do lado direito, onde estamos derivando em relação a . Nesse caso, o funciona como constante e pode ser colocado pra fora:
Para facilitar a vida, vamos usar essa notação aqui:
Então nossa equação é:
Ok, o primeiro passo já foi.
Passo 2
Agora a gente vai introduzir uma constante. Mas por quê?
Bom, olha o que acontece se a gente reorganizar um pouco a equação:
Ficamos com um lado que depende só de , e um lado que depende só de .
A única forma de esses dois lados, que depende de variáveis diferentes, serem sempre iguais, é se os dois lados forem iguais a uma mesma constante:
Pode parecer meio aleatório usar , mas acredite, vai ser útil mais tarde.
Agora ficamos com duas equações separadas (entendeu o porquê do nome do método?), uma para cada variável:
Passo 3
Vamos separar também as condições iniciais que o enunciado deu. Por exemplo, ele disse que:
Isso quer dizer que:
Essa equação só tem duas soluções, ou ou . Mas se , então a nossa solução toda se anularia em todos os instantes de tempo , então ficamos com a outra alternativa:
A outra condição inicial é:
E pela mesma lógica, a única conclusão razoável aqui é:
Beleza, já achamos duas condições iniciais para a equação que depende de .
Outra condição inicial do enunciado é :
Então:
Mais uma vez, a única conclusão possível aqui (que não anula a nossa solução inteira) é:
Tá, então vamos juntar tudo isso que a gente descobriu em dois sisteminhas. Um com as coisas que dependem de , e outro com as coisas que dependem de :
Ok, agora vamos resolver cada um deles separadamente.
Passo 4
Começando pelas equações que dependem de :
Aqui existem duas possibilidades: positivo ou negativo.
Se é positivo, vamos escrever (é só uma constante qualquer, com o quadrado pra garantir que seja positiva), e então:
E essa é a equação de um oscilador harmônico. Lembra dela? É qualquer equação que tenha essa forma aqui:
E a solução geral é:
No nosso caso , ou , então a solução geral é:
Agora vamos aplicar as condições iniciais. Começando por :
Como e :
Ok, e a outra condição diz que , então:
A gente já viu que , então:
Tá, e quais são as soluções possíveis pra isso? Bom, se for zero também, aí a nossa solução fica totalmente nula, isso não serve.
O outro caminho é esse seno se anular. Para que isso aconteça, essa condição aqui tem que ser satisfeita:
Porque qualquer múltiplo inteiro de tem seno zero!
Então, finalmente, a nossa solução fica assim:
Essa constante vai ficar arbitrária mesmo. Mas olha só, apareceu uma definição para o nosso :
Tá, agora vamos ver o que acontece quando é negativo ou nulo.
Passo 5
Se é negativo, a gente pode escrever o assim:
Então a nossa equação fica:
Essa equação aí tem uma solução exponencial. E a solução geral é:
Percebeu o motivo? Se você derivar essa função duas vezes, a constante vai cair duas vezes seguidas, e vai aparecer ao quadrado ao lado da própria função.
Então beleza, vamos tentar aplicar as condições iniciais nessa :
Como :
E a outra condição é :
Tá, então temos essas duas equações aqui:
Pela primeira equação, a gente sabe que . Substituindo isso na segunda:
Agora surge um problema, as únicas duas soluções para essa equação aí são:
A segunda solução é impossível! A única forma de aquelas exponenciais se igualarem é se :
Mas isso faria a nossa solução ser nula em todos os pontos, então não serve.
E se ? Bom, mas , então isso também faria a solução ser nula em todos os pontos!
Qual é a conclusão aqui? Não temos nenhuma solução para .
Tá, mas e se ? Bom, aí acontece o seguinte:
Integrando isso uma vez, aparece uma constante:
Integrando de novo, aparece um e uma nova constante:
Mas aí as condições iniciais vão dar problemas de novo!
Mais uma solução nula! Então vamos só ficar com o caso mesmo, que tinha dado essa solução aqui (só pra lembrar):
Passo 6
Ainda não acabou! Falta olhar para a equação que depende de :
Mas agora a gente já sabe (lá do final do passo 4) que:
Então:
Mais uma vez ficamos com uma equação de oscilador harmônico! E a solução geral, como vimos antes:
E a condição inicial que a gente tem aqui é . Então vamos derivar:
Lembrando que a derivada de é e a derivada de é .
Quando , a situação é a seguinte:
Como e :
E a única solução é , então o termo com vai sumir da nossa solução, e só sobra:
Passo 7
Ótimo, então só pra resumir o que a gente tem até aqui:
Então nossa solução geral para fica assim:
Vamos juntar essas duas constantes em uma única constante :
E a solução do sistema inclui todos os valores de , então vamos somar:
Tá, mas ainda não acabou. Tem mais uma condição ali no sistema:
Vamos calcular substituindo na nossa solução geral e fazendo :
Então:
Aqui a gente pode só deixar indicado, já que o enunciado pediu pra “mostrar como se chega à solução”.
A ideia aqui seria que esses somatório aí é a série de Fourier dessa função que o enunciado deu.
Então a gente poderia usar a fórmula dos coeficientes de Fourier para encontrar :
Como no nosso caso e é aquela função que aparece no enunciado, a fórmula dos coeficientes é:
Passo 8
Beleza, agora é só juntar tudo.
A gente conclui que a solução do problema de valor de contorno é:
Onde as constantes são dadas por:
Pronto! Foi um longo caminho, mas conseguimos.
Resposta
A solução é , onde as constante são dadas por